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O iluminismo psicanalítico

  • Foto do escritor: Patrícia Mezzomo
    Patrícia Mezzomo
  • há 12 minutos
  • 4 min de leitura

Se Giordano Bruno foi queimado e Lacan excomungado, se Galileo manteve-se fiel a igreja e Miller adapta Lacan criando seu freudolacanismo, estaria Eidelsztein inaugurando finalmente o iluminismo psicanalítico?

Acompanhar a obra do autor das Estruturas Clínicas a partir de Lacan nos faz travar contato com uma experiência de iluminação teórica da obra lacaniana. Eidelsztein inaugura a modernidade da psicanálise com o mesmo gesto que a ciência assume ao fundar-se diante da igreja: questionando a autoridade religiosa do nosso campo e instaurando um método alicerçado na lógica. Não mais nos serve a autoridade dos nossos patres familias. O que nos interessa é a fórmula matemática do significante.

Se a repetição é fruto da linguagem, aqui vemos o campo psicanalítico repetir a história. Com um certo atraso, é claro, mas ainda assim, repetição. Intriga-nos, no entanto, o fato de tentar entender como nosso campo conseguiu até então operar com o sujeito da ciência — o sujeito moderno — utilizando uma psicanálise “medieval”? O que estava sendo feito do nosso ofício, já que, como disse o próprio Alfredo, argumentos sem validação racional não diferenciarão a psicanálise das outras respostas ao mal-estar?

Mas deixemos essa pergunta ecoar, para nos focarmos, por enquanto, na proposta de Eidelsztein. O rigor do raciocínio científico nos possibilita desbancar o reinado religioso dos nossos mestres, mas sem que percamos de vista suas obras. O entendimento das obras de Freud e Lacan — como dois autores separados — importa à psicanálise como lógica para elaboração de conceitos, e não enquanto a genialidade dessas autoridades. Essa é a urgência do “iluminismo psicanalítico”.

Não há mais o pai garantidor, mas sim a lógica racional. Sai a garantia fundada na autoridade do dito freudiano e entra a investigação de saberes alicerçada em racionalidade, método e rigor. Repetir o dito de autoridade sem a lógica é fazer da clínica uma religião. É assim porque Deus Freud “quis”. A teoria ganha então, seu status de privilégio e se torna a norteadora da nossa ética clínica.

É isso, e apenas isso, que pode fazer a psicanálise posicionar-se como uma terceira via de resposta ao mal-estar, diferente da religião, da magia ou da própria ciência. É com o conhecimento teórico do objeto psicanalítico — o sujeito como uma questão de linguagem, fruto da manobra científica sobre o saber — que nos habilitamos a operar uma ética apropriada ao seu sofrimento.

Temos então nosso objeto: o sujeito dividido, criado e erradicado pela ciência. E temos a ferramenta "iluminista" para operar: uma teoria que deve prevalecer sobre a experiência clínica. E é aqui que adentramos o terreno complexo.

Por décadas, fomos testemunhas dos estragos que o privilégio da prática em detrimento da teoria causou e ainda causa em nosso campo. Temos agora uma inversão deste lugar de destaque: a prática deve ser norteada pela teoria. Mas, se é uma questão de lugar privilegiado, como não incorrermos no mesmo erro? Privilegiar a teoria não nos levaria a foracluir os fenômenos clínicos como verdade subjetiva de cada caso particular? Se a história da psicanálise como "religião" (privilégio da clínica) se manteve na lógica medieval, tomar o caminho da "ciência" (privilégio da teoria) não seria fechar a questão, fazendo uma sutura teórica e assujeitando a clínica?

Se a psicanálise não é nem religião, nem ciência, mas uma terceira via que "não tampona, mas abre", que tipo de resposta ela deve propor?

A resposta está na própria estrutura do problema. O que devemos questionar não é "teoria ou clínica?", mas o próprio privilégio. "Não fechar, pois quem fecha é o falo." E nessa lógica, a hierarquia e o privilégio fazem as vezes de falo, subjugando o que não possui seu status de superioridade. Para extrair a falta na clínica, retirando o analisando da lógica fálica, é necessário que seus significantes percam seu status de privilégio. Por que isso não deveria ocorrer ao nosso ofício?

Privilégio e hierarquia denunciam, então, que experiência clínica ou rigor teórico racional, separados de seu par, estão apenas pondo em ação a regra sintomática do neurótico fálico que, sem perceber, segue tamponando os furos que ele mesmo abre.

A lógica da hierarquia é excludente, pois sempre mantém um ponto de referência como verdade. Sempre que se tenta totalizar, é a lógica da exclusão que se apresenta, pois o que não for igual deverá arder nas chamas de Salem. A heresia é o diferente. Será que esquecemos que o significante tem como lógica a diferença em si mesmo?

MAS... E se a "teoria" que vier primeiro for a "lógica da falta"? Parece que aqui encontramos a saída. Se a "teoria" que orienta a práxis é a de que o Outro é incompleto, de que "não há verdade da verdade" e de que "não há metalinguagem", então essa "teoria" não é um saber fechado ou uma cosmovisão. Ela é o oposto de um privilégio; ela é a formalização da própria impossibilidade da hierarquia.

O "iluminismo psicanalítico" de Eidelsztein, então, não é trocar a "religião" pela "ciência". É usar o rigor lógico-racional para formalizar a própria incompletude. É uma teoria que não tampona a clínica com um saber-mestre, mas que opera como a própria condição de abertura para o espaço onde a verdade-ficcional do falante possa emergir. Não se trata de uma hierarquia, mas da única práxis que, ao saber da falta no Outro, pode escutar a singularidade do sujeito.

Resta-nos saber se seus seguidores o lerão enquanto teórico ou como mestre.



 
 
 

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