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De saussure a Jakobson em busca do significante

  • Foto do escritor: Patrícia Mezzomo
    Patrícia Mezzomo
  • há 3 dias
  • 6 min de leitura

Com "A Instância da Letra no Inconsciente", Lacan inaugura o uso fecundo de sua leitura de Roman Jakobson. Entre 1957 e 1961, testemunhamos a trajetória lacaniana em direção a uma linguística psicanalítica que culminará em seu conceito de significante, levando-o, a partir de 1961, à ideia de uma estrutura topológica do sujeito.

Lacan abandonava a problemática heideggeriana do desvelamento da verdade e do “deixar agir a fala” que era maciça em seu “Discurso de Roma”, renunciando a toda ontologia, para estabelecer uma teoria do significante não mais fundada apenas numa leitura de Saussure e de Lévi-Strauss, mas construída de maneira lógica a partir dos trabalhos de Jakobson sobre a metáfora e a metonímia. 

Saussure havia sido a base do seu raciocínio que dividia o signo linguístico em duas partes. Significante e significado. E para interpretar a segunda tópica freudiana à luz da linguística estrutural, Lacan rompe a problemática do signo, ao inverter a posição saussuriana. Enquanto Saussure colocava o significado sobre o significante, separando os dois por uma barra dita de “significação”, Lacan inverte essa posição. Coloca o significado abaixo do significante e atribui a este último uma função primordial. 

O significante possui leis próprias e é a partir delas que a gênese do significado pode ser estabelecida. A barra da significação saussuriana impede a dialética e faz o significado aderir-se ao sentido. Mas algo sempre escapa ao sentido. Inverter é dar primazia ao que origina o significado, ou seja, o significante, e tornar possível a operatória a partir de suas leis.

Veja, isso não é pouca coisa. Com a primazia do significado saussuriano, temos um sentido fechado, resistente e imutável. Elevar o significante a posição primordial é tornar possível a operatória clínica, desde que se conheça suas regras.

Aqui cito Lacan: “a estrutura do significante está em ele ser articulado. Isso quer dizer que suas unidades estão submetidas à dupla condição de se reduzirem a elementos diferenciais últimos e de os comporem segundo as leis de uma ordem fechada”.

Então temos:

O significante é articulado a uma dupla condição:

1. Elementos diferenciais.

2. Leis de uma ordem fechada.

Diferença entre si e sincronia. Assim são as leis do significante lacaniano, retiradas de saussure. A diferença segue a lógica onde cada elemento (como um fonema ou uma palavra) obtém seu valor e seu significado exclusivamente pela diferença em relação aos outros elementos do sistema e a ordem fechada é a descrição do sistema sincrônico, onde esses elementos diferenciais se organizam de acordo com leis internas e estruturais que operam em um momento específico do tempo. O linguista precisa de um recorte para poder analisar a complexidade da língua. Se ele tentasse estudar a língua em toda a sua evolução histórica (diacronia) e em todas as suas variações individuais (a fala), ele não conseguiria encontrar um sistema ou uma estrutura. 

Lacan viu nesta descoberta uma pista fundamental para a psicanálise. O inconsciente, para ele, não se baseia em ideias ou sentimentos, mas em uma estrutura de sons e signos que obedecem a uma lógica própria. O significante não é um som qualquer, ele é um som que está inserido em uma estrutura.  Isso significa que ele não é uma massa amorfa de som, mas sim um conjunto de unidades que se combinam de acordo com regras precisas. O que ele faz aqui é nos dar a "dupla condição" que define essa articulação: diferença e sincronia.

Lacan então afirma: “Somente as correlações do significante com o significante fornecem o padrão de qualquer busca de significação”. Me pergunto: É nesta ordem fechada e de diferença que é possível qualquer busca de significação"? Não no significado, mas na articulação significante?

E novamente o cito para tentar uma resposta: “É na cadeia do significante que o sentido insiste, mas que nenhum dos elementos da cadeia consiste na significação, de que ele é capaz nesse mesmo momento. Impõe-se, portanto, a noção de um deslizamento incessante do significado sob o significante”.

Lacan não diz que o sentido "está" ou "existe" na cadeia. Ele diz que o sentido "insiste", ou seja, o sentido não é algo estático e contido em um significante, mas sim uma força, um movimento que opera através da cadeia de significantes. O sentido está sempre "a caminho". Mas ele também não consiste, já que nenhuma palavra sozinha, isolada da cadeia, consegue conter, fixar ou esgotar o sentido. O deslizamento é justamente essa impossibilidade de fixação, o significante se move dentro das leis da diferença e da ordem fechada mostrando que a barra que separa o significante do significado não é fixa e rígida (como em Saussure), mas móvel e fluida. O que isso implica é que a busca por um sentido definitivo é, por natureza, frustrada. O sujeito está sempre tentando alcançar um significado que está em constante deslizamento.

Seria essa a base para entendermos o porquê do sujeito ser um ser de falta, eternamente em busca de um sentido que ele nunca consegue fixar?

Mas esse deslizamento encontra seus pontos de basta, que é quando o sentido consegue se fixar, ao menos momentaneamente, encontrando um ponto de ancoragem para um sentido temporário. 

E essa fixação temporária é possível pela dominância da letra. A letra, sendo a materialidade do significante, é o suporte físico que atua como o "ponto de basta". Ela é a pura presença que pode costurar o sentido.

É essa linearidade de deslizamento, retirada de Saussure e que Lacan inverte para fazer sua psicanálise, que compõem a lógica significante e que irá catapultá-lo diretamente a obra de Jakobson. Pois, como ele mesmo aponta, ela não é suficiente. E é em Jakobson, com sua teoria sobre as figuras de linguagem, metáfora e metonímia, que ele irá completar o raciocínio, incorporando agora a verticalidade na composição da lógica significante e aprimorando as regras da cadeia, que até então estavam alicerçadas nas regras da diferença e do sistema sincrônico.

Enquanto a linearidade nos apresenta o deslizamento que agora com o apoio de Jakobson recebe o nome de metonímia, vemos na metáfora a sobreposição vertical significante, como se fosse uma espécie de partitura da linguagem do inconsciente. Portanto, a "cadeia significante" na linearidade do discurso, não existe por si só. Ela está suspensa, como se estivesse "pendurada" em algo, ou seja, para que consideremos uma cadeia significante, é necessário também sua dimensão vertical. Ou seja, metonímia e metáfora, simultaneamente.

São essas, então, as duas dimensões sustentadas em palavras para dar conta do assunto principal, o sujeito. “A cadeia significante tem a função de indicar o lugar do sujeito”.

E novamente, vemos Lacan se utilizando de conceitos de outros autores para compor seu doutrinal psicanalítico. Enquanto em Saussure, o vemos inverter a barra da significação, em Jakobson, ele aponta para a característica fundamental da metáfora empregada ao campo psicanalítico.

Nas palavras do mesmo: “Digamos que a poesia moderna e o surrealismo (inesperado e ilógico) fizeram-nos dar um grande passo nisso, ao demonstrar que qualquer conjunção de dois significantes seria equivalente para constituir uma metáfora, caso não se exigisse a condição da máxima disparidade entre as imagens significadas para a produção da centelha poética, ou, em outras palavras, para que tenha lugar a criação metafórica”.

A metáfora de Lacan, não é uma metáfora qualquer, ela exige a máxima disparidade. Para a psicanálise, não basta a troca de uma palavra por outra que a metáfora propõe. É na disparidade que encontramos a assinatura lacaniana. O que nos interessa é a metáfora com a função específica, de representar o sujeito. Não se trata de uma simples substituição, mas de uma que opera através da negação. 

Lembremos que a letra é o suporte material positivo que sustenta o significante que representa o sujeito para outro significante. Portanto, a metáfora que nos interessa é aquela que representa a negatividade do sujeito, que o substitui na cadeia em deslizamento.

Veja, o sujeito não pode se apresentar, mas pode sim, ser representado. Sujeito negativo, representado em positividade, através da letra em metáfora e metonímia. A palavra pode ser o que o sujeito não é. A linguagem opera em um nível de paradoxo, onde o sentido pode ser criado pelo que não está lá. 

Essa é a grande sacada: o sujeito pode ser representado pelo que ele não é. O sujeito não é uma coisa, mas um lugar de falta. A metáfora aqui não preenche esse lugar, mas o representa através de sua ausência.






 
 
 

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