top of page

A psicanálise com resposta ao mal-estar do sujeito moderno

  • Foto do escritor: Patrícia Mezzomo
    Patrícia Mezzomo
  • 3 de set.
  • 4 min de leitura

Texto escrito para o grupo de linguisterias da escola de Psicanálise Estrutural - EPE


A revolução científica que culmina com o nascimento da modernidade, opera um corte epistemológico com o pensamento medieval e traz, não somente novas descobertas, como também inaugura novas formas de pensar sobre o conhecimento, sobre o saber e sobre a realidade. 


Antes disso, tudo estava dado ao homem medieval. Tratava-se de um homem que sabia sobre o seu fazer e existir, pois esse saber encontrava-se alicerçado em um tipo de saber religioso, divino, que lhe determinava enquanto homem e quanto ao seu destino. O homem medieval não duvidava. Isso não significa de maneira alguma, afirmar que ele não sofria, pois sabemos que existe um mal estar inescapável a todo sujeito falante.  Esse mal-estar que se sustenta sobre um fundamento de linguagem, sofre modificações de acordo com as mudanças culturais.


O mal-estar do sujeito medieval era radicalmente diferente do nosso, pois estava ancorado em uma estrutura de mundo e um sistema de crenças completamente distintos. Para o homem medieval, o mundo era um palco onde a vida era um teste de sua fé. O maior sofrimento não vinha de um conflito psicológico interno, mas do medo da condenação eterna e da perda da graça divina. A vida terrena, com suas dores e privações, era vista como uma penitência ou uma oportunidade de purificação para alcançar a salvação da alma. 


A transição de um saber divino para um saber científico irá, portanto, moldar um novo tipo de humano e, com ele, um novo formato de mal-estar específico de sua época. Dirigir-se à ciência e não mais a Deus, implica uma modalidade muito peculiar de relação do sujeito com o Outro. Podemos então, entender que o grande Outro do sujeito moderno é a ciência.


Sujeito moderno, porque é ele, justamente esse novo tipo de homem, efeito de seu tempo, efeito da ciência. A sociedade ocidental moderna é caracterizada como "sociedade científica" e os sujeitos de tal sociedade serão, consequentemente, "sujeitos da ciência". Evidentemente é muito diferente se dirigir a um Outro concebido, por exemplo, como um único Deus personificado ou como uma ciência impessoal e anônima. Isso tem efeitos importantíssimos, sendo o principal deles o sujeito dividido, que Lacan escreve como "S".


Em nossa sociedade moderna o mal-estar, portanto, possui íntima relação com a ciência que pode ser entendida como uma manobra sobre o saber. E, por saber, desde o corte mítico operado por Sócrates, entende-se como uma ligação entre os significantes vinculada a certas exigências de coerência e razão


É aqui que se encontra o operador fundamental que produz o sujeito dividido da ciência. A ciência, ao operar com a exatidão, a adequação do que é dito sobre algo com o que esse algo é, não permite que a verdade subjetiva do cientista cumpra papel algum em suas argumentações ou teorias. Nunca o que é verdade para alguém, por mais prestigioso que seja, pode ser a justificação de nenhum enunciado científico. Entre estas condições gerais exigidas pelo método científico, a verdade do sujeito foi erradicada.


Diante disto, temos a formulação do mal-estar moderno. Não se trata mais de condenação eterna, mas sim, de um apartamento da verdade, pois o saber científico foraclui a verdade.


E é exatamente como resposta a esse mal-estar específico do sujeito moderno que surge a psicanálise, pois, como já apontado por Freud, ela restitui a função da verdade no campo do saber científico. Em síntese, a Ciência é uma manobra sobre o saber que produz o sujeito e foraclui a verdade. A psicanálise, por sua vez, restitui a função da verdade no campo do saber científico, sendo ela a resposta adequada ao mal-estar da linguagem.


Cabe então ao psicanalista, apoiado na formalização proposta acima, operar o ato de abertura que tem como finalidade o campo do sujeito. Se a ciência tenta operar uma manobra sobre o saber que foraclui a verdade, o ato seria então o corte que se abre para a verdade? Acredito se tratar aqui de uma verdade que é particular a cada um. Uma verdade que não coaduna com um saber estabelecido e provavelmente vá contra. Seria o que Lacan chamou como a verdade do desejo? Por lógica então, a ciência tenta erradicar o desejo do cientista?. Mas é possível fazer ciência, ou qualquer outra coisa, sem desejo? 


Em seu texto sob a subversão do sujeito e a dialética do desejo, Lacan aponta que essa tentativa de erradicação do sujeito fracassa no campo científico, ou seja, o sujeito insiste em se apresentar, mesmo quando não “convidado”.  O que me prende diante de uma dúvida: a ciência foraclui realmente o sujeito ou apenas tenta e por isso fracassa? Se ela fracassa em foraclui-lo, ele estaria então participando da ciência? Se o sintoma é o indicador do desejo, por conclusão, a ciência seria o sintoma do homem moderno? A ciência é a tentativa de responder à questão do sujeito, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, tenta excluí-lo da resposta?


Evidentemente não seria pertinente esgotar o tema em tão poucos caracteres. Encerro portanto com estas perguntas que se propõem a abrir o tema da articulação entre ciência, sujeito e verdade, seguindo a indicação de que é na abertura e não no fechamento que encontramos o espaço para o sujeito e para a psicanálise.





 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page