Outro Lacan - 2° Enlace - O terceiro
- Patrícia Mezzomo
- 20 de mar.
- 2 min de leitura
Texto escrito para a Sessão Teórica da Escola de Psicanálise Estrutural - EPE
No capítulo anterior, Eidelsztein nos aponta, talvez, uma importante chave de leitura do texto de Lacan, como saída desta encruzilhada do real.
Cito-o: “O real é apresentado como terceiro, de modo algum como primeiro”.
Mas afinal qual a diferença entre ser o primeiro e o terceiro? Acredito que essa importante diferença seja marcada na escolha da definição do conceito apresentada no nosso enlace de hoje.
Em Lacan temos: O Real - O impossível de escrever → o impossível lógico-matemático de escrever qualquer coisa e, para a psicanálise em especial, a relação sexual.
Em Lacanismo: O Real - O impossível de dizer, o inefável → o gozo da substância viva.
Inefável. No dicionário encontramos como definição do termo a seguinte tradução: Que não pode ser nomeado, designado nem descrito, por ser naturalmente complexo, intenso ou belo. indescritível. Mas o dicionário também nos dá a tradução religiosa: Designação de Deus, o inefável que está acima de todos. Recorro ao dicionário mais uma vez em busca de Deus: O ser que está acima de todas as coisas, ser absoluto, incontestável e perfeito.
Para além da questão religiosa ou mística, gostaria de apontar para o fato de que o termo inefável, quando o aproximamos de Deus, também nos dá a ideia de algo completo, fechado e pleno. Como estamos diante de uma teoria psicanalítica, não podemos deixar de fazer associação com o que chamamos de significado. Algo completo e fechado, pleno de entendimento.
Lacan afirma que Freud descobriu o inconsciente e que ele, Lacan, respondeu a essa descoberta, com o seu real. E a resposta está na inversão do sentido freudiano, como já vimos anteriormente. A inversão de que falamos agora é que o real é o terceiro e não o primeiro. Ele vem depois, ou talvez concomitante ao simbólico-imaginário. Mas não primeiro, não absoluto e muito menos inefável.
O real é fruto daquilo que não consegue se inscrever na cadeia simbólico-imaginária do falante, mas que surge a partir desta mesma cadeia. Por isso, terceiro, algo que se apresenta, como consequência lógica do dito. Acredito que, para além de uma cronologia, o que está sendo definido aqui, é que o real, é aquilo que não pode ser acessado sozinho, já que a via de acesso está no nó borromeano, nos três registros juntos, um não existe sem o outro, real-simbólico-imaginário.
Em uma análise, o discurso vai sendo repetido de maneira simbólico-imaginária e ao mesmo tempo, aquilo que não se inscreve, vai se apresentando como falta, como furo, na medida em que é contornado por esse dizer simbólico-imaginário.
O que não se apresenta em palavra é marcado como notação de uma falta. A psicanálise deve tender a convertê-la em matema. “Todo o acesso ao Real está tecido pelo número”. O que se apresenta como vazio, como sem sentido, de maneira alguma já estava lá como primeiro, mantendo seu estatuto ideal e indescritivel por um caráter místico. O que se apresenta como um vazio, é o furo de um discurso simbólico-imaginário que produz o vazio matemático. É em torno desta matemática que se faz lógica e sentido.
“Eu articulo estas palavras. Isto não é poesia”.
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