O sujeito da ciência lacaniana
- Patrícia Mezzomo
- 25 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 4 dias
Texto escrito para o Grupo de Leitura Intermitente da Escola de Psicanálise Estrutural - EPE
Existe em toda cultura um mal estar oriundo dos efeitos da linguagem e do significante. Esse mal estar sofre suas modificações segundo as mudanças culturais do discurso de uma época. A sociedade ocidental moderna caracteriza-se como sociedade científica. A presença da ciência e seus efeitos são determinantes fundamentais e o sujeito de uma sociedade assim definida, será, consequentemente, sujeito da ciência.
Então se o sujeito é sujeito da ciência - pelo menos em nossa época - podemos então pensar que a ciência produz o sujeito. O que nos leva a pergunta: que tipo de sujeito?
E qual o papel da psicanálise nesse sujeito? Eidelsztein, em seu livro, as estruturas clínicas a partir de Lacan, argumenta que a psicanálise é uma resposta ao mal estar do sujeito da ciência, nos levando a raciocinar que a psicanálise opera com um sujeito que é efeito da ciência moderna ocidental.
Mas nesse ponto precisamos nos ater à articulação, sujeito-ciência, pois tenho a impressão que é nesse nó que encontramos o desenlace Freud-Lacan. A ruptura científica dos desbravadores do inconsciente e do vazio.
Freud subverteu o mundo com seu inconsciente, mas como as ciências suportes para sua teorização, mal tinham avançado um passo além da idade média, e pela denúncia de Lacan, me parece até terem regredido, no que se refere a linguagem e formalizações, não foi possível ao vienense produzir o sujeito da ciência da psicanálise, já que suas ciências produziam o eu.
Aqui cito Lacan para partir a favor do argumento de que não é possível um sujeito sem formalização e acredito que é disso que se trata a ruptura lacaniana, mesmo que ainda em 1953, ele ainda não a tivesse formulado. No final da página 289, do texto, Função e campo da fala e da linguagem, Lacan escreve, a respeito do início da psicanálise: “Privada como estas - artes liberais da idade média - de uma verdadeira formalização, ela - a psicanálise - se organizaria à semelhança delas, num corpo de problemas privilegiados, cada qual promovido por uma relação fortuita do homem com sua própria medida…” O que encontramos nesse trecho talvez seja a afirmação de que sem a formalização, o que vemos à nossa frente é a nossa própria medida, ou seja, o eu. Repito: sem formalização não é possível o sujeito, apenas o eu.
Volto ao raciocínio de que o desenlace de Lacan com Freud se dá na ruptura, no corte significante que mata o eu e produz o sujeito, que mata a ciência biologicista e produz uma psicanálise articulada à ciência matemática.
Com sua descoberta, Freud restitui a verdade, trazendo-a para o campo da psicanálise. Porém, a verdade pede um tipo específico de ciência para que ela não se torne uma certeza. É preciso ir de encontro às ciências que não assentam-se em afirmações, mas sim em formulações. Para isso, Lacan não opõe ciências exatas às ciências da conjecturas e nos diz: “a exatidão se distingue da verdade e a conjectura não impede seu rigor”. O que temos aqui? Uma necessidade de não nos fiarmos em certezas, pois elas impedem a verdade, mas também, não ficarmos entregues às nossas próprias medidas, pois há de haver um rigor naquilo que nos propomos a investigar e a conceitualizar. E é nesse ponto em que a matemática nos serve, pois ela nos ajuda a pensar que o sujeito da ciência moderna, portanto o sujeito de nossa época, é formulado no vazio.
É interessante, ao retornamos do ponto em que nos encontramos, e verificar o conflito em que se encontrava a psicanálise do nosso francês. De um lado o vemos ainda tentando se encaixar na teoria de Freud, propondo a poética heideggeriana como uma das novas ciências e do outro afirmando que nosso símbolo é matemático. “Está claro que nossa física é apenas uma fabricação mental cujo instrumento é o símbolo matemático” diz Lacan em 1953
Como a arte imita a vida, ou a teoria imita a vida, é no divã que aprendemos a perder para existir enquanto vazio. Talvez Lacan também tenha encontrado seu objeto a no fracasso do prestígio tão almejado ainda em 1953. Finalizo então com a pergunta: Só foi possível o sujeito da “ciência lacaniana”, com a produção do próprio sujeito Lacan?
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