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A origem do ser 

  • Foto do escritor: Patrícia Mezzomo
    Patrícia Mezzomo
  • há 4 dias
  • 3 min de leitura

Texto escrito para a Sessão Teórica da Escola de Psicanálise Estrutural - EPE


Especulações sobre o ser atravessam o humano desde sua origem. Mas qual origem, se não há uma?

Ao afirmar, imediatamente me contradigo e percebo o ato comum daquele que fala: falar sem saber do que fala.


Somos uma espécie sem origem. A origem está perdida. Ninguém sabe explicar de onde viemos e para onde vamos. Algo falta e como bem sabemos enquanto teóricos da psicanálise, é em volta da falta que giramos, tentando fazer borda ou fórmula.


Vejo então uma civilização girando em torno do furo da origem. Biologia, filosofia, física, cada uma à sua maneira, tentando fazer borda com o tal tema do furo.


E é nesse furo de ignorância que surge uma dúvida. Porque a filosofia, já que é dessa disciplina que tratamos aqui e consequentemente de seus furos, ao especular sobre a origem, foi em direção ao ser?


Como bem mostra Eidelstein, Heráclito e Parmênides, já lá no ano 500 a.c. se questionavam sobre o ser e sua origem e sabemos não serem os únicos.


Fui então ao dicionário 


Origem: início de uma ação ou de algo cujo desenvolvimento continua num tempo espaço; ponto de partida.


Ser  -  Aqui peço uma licença artística, pois definir o ser em tão poucas palavras chega a ser injusto com a dimensão de grandeza do tema - mas o dicionário comum define como: possuir identidade, particularidade ou capacidade inerente.


Uso desta simplicidade para argumentar o meu ponto e fazendo um breve raciocínio lógico: me parece que sem origem, não somos. Sem origem não é possível ser? Porque ao dizer onde nasci, digo “sou” brasileiro, por exemplo? A origem determina o ser?


As duas coisas, a princípio, me parecem intimamente conectadas, mas logo me lembro do exemplo dado por Eidelsztein de que existem línguas que não possuem em seu vocabulário, a palavra ser. E me questiono, se nesses idiomas, existe a pergunta sobre a origem? Caso exista, em quais termos essa pergunta é feita?


Se uma língua não possui o verbo ser, poderíamos pensar que a falta do ser surge com a palavra? A palavra criou a falta? - Lacan nesse momento sorri. E caso não houvesse a palavra origem, será que estaríamos nos perguntando sobre a mesma?


E seguindo o ritmo das perguntas, porque ser e origem se afinam tanto com aspectos místicos e transcendentais? Porque muitas vezes, o ser carrega a explicação de uma origem divinizada, fundando não ciência, mas religião?


Teria algum tipo de relação com o rompimento com a mitologia? A mitologia explicava sobre a origem. Havia a pergunta sobre o ser? O filósofo rompe com a mitologia, inaugurando o pensamento racional e encontra-se órfão?


A história sempre se repete. O filósofo mata o mito, o iluminista aniquila seu deus, e vemos o giro, em torno da falta se repetindo. Estamos sempre tentando matar o pai?


Se o nome-do-pai é aquilo que tampona a angústia, reveladora da falta, fazendo as vezes de falo, a repetição civilizatória, assim como o neurótico seguem o mesmo roteiro de cavar a falta e tamponar a falta com o saber do mestre?


Desde a mitologia até a modernidade, a repetição nos sugere que a busca pelo saber e a tentativa de tamponar a falta são movimentos inerentes à condição do ser falante. O "ser" parece ter sido a resposta grega para a dúvida sobre a origem, ao mesmo tempo que não responde a própria dúvida sobre a origem.


Parar de se perguntar sobre a origem e teorizar sobre o vazio mesmo, funda uma nova forma de ontologia, sem o ser e sem a origem. E isso, segundo o filósofo Alain Badiou, parece ser a missão inusitada das matemáticas, que torceremos discretamente para que, eles, os matemáticos, não a aceitem. Que sigam teorizando sobre o vazio e não sobre o ser, pois quem procura acha, mas o achado engana e faz girar a roda da repetição da substancialização do ser filosófico.











 
 
 

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