O recalque de deus
- Patrícia Mezzomo
- 23 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 4 dias
Texto escrito para a Sessão Teórica da Escola de Psicanálise Estrutural - EPE
À medida que avançamos neste Outro Lacan que Eidelsztein nos apresenta, fica evidente a necessidade do entendimento histórico e cultural que nos trouxeram até os dias de hoje, e é justamente no capítulo sobre metafísica e ontologia que esse quiprocó vai tomando forma.
Porque afinal a metafísica tornou-se uma ontologia do ser? Porque essa ontologia surge justamente na época do começo da ciência moderna ocidental?
Não é possível ignorarmos - e Eidelsztein não nos deixa - que esses temas possuem importantíssimos marcadores históricos. A queda de um império religioso para o surgimento de uma revolução racional não teria como deixar incólume o humano de sua época.
E daí surge a pergunta: Teria o homem moderno recalcado o Deus de seu passado em nome de uma liberdade racionalista e científica? E sendo assim, seria a ontologia, o retorno deste recalcado, ressurgindo como um ser primeiro, chegando a alcançar o status de inefável em nosso campo psicanalítico?
Não parece espantosa a aproximação do empirismo, com a ontologia do ser e o discurso do mestre quando pensamos no papel de suplência destes a um deus morto. Mestre é aquele que diz como as coisas são e se ele diz, é porque realmente são, já que ele é o mestre e tem a experiência. Está dada aí, a fórmula do homem moderno temente ao mestre? Teríamos trocado deus por mestre?
Como Edelsztein nos aponta: “O ocidente tende a transformar o abstrato e teórico em empírico substancial”. Mas por que? Por sintoma? E por que a sutura é ontológica? Por que para além da física, ou seja, porque a metafísica foi de encontro ao ser?
Penso que um caminho para elaborar uma tentativa de resposta desta pergunta é o que o autor nos afirma logo no início do capítulo: “É no substancialismo que se produz o declive”. A substância é o próprio discurso da sutura, do fechamento, do encerramento. O ser material, o corpo biológico, Deus, o Mestre, nada disso é aberto ao furo, ao avanço, à investigação, à crítica. A função de Deus e de seus substitutos é a de suturar a hiância com o discurso ontológico. Porém, o discurso do ser impede o formalismo e a ausência de formalização leva ao substancialismo, caminho oposto à ciência do real.
Para lacanianos temos o impossível de dizer, portanto inefável, encerrando a questão. Mas para Lacan o impossível de dizer é possível de fazer nota. Não encerra, avança para a lógica-matemática. O avanço se dá na abertura, no vazio, na formulação científica.
E é com essa ciência que o analista pode fazer avançar o discurso do analisando. O analista talvez seja aquele capaz de poder fazer cair deus, cair o mestre e também ele próprio, para que com isso, caiam os sintomas, abrindo espaço para a produção de um novo tipo de saber e de verdade. Um valor de saber que não está autorizado por quem o diz, ou seja, pelo mestre. Um saber ateu me pergunto? Seria a matemática uma ciência sem mestre?
E sendo a matemática uma ciência sem mestre, uma saída da ontologia para a formalização que nos arranca do imaginário substancial e sendo também, como propõe Lacan, a ciência do real, fica então a pergunta final: seria então possível uma psicanálise sem matemática? O que significaria uma práxis ausente de matemática?
Creio podermos testemunhá-la no dia-a-dia do nosso campo até e principalmente nos dias de hoje.
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