top of page

A loucura do homem moderno

  • Foto do escritor: Patrícia Mezzomo
    Patrícia Mezzomo
  • 21 de mar.
  • 4 min de leitura

Texto escrito para o Grupo de leitura intermitente da Escola de Psicanálise Estrutural - EPE

Sobre o texto - Função e Campo da Fala e da Linguagem


Seria o homem moderno louco? Qual a causa dessa loucura? Quais caminhos resolutivos a psicanálise pode nos ofertar? Em que se apoia a psicanálise nesta proposta resolutiva?



À medida que avançamos na proposta de Lacan, encontramos como único caminho possível, a via da formalização científica para estabelecer nossas bases teóricas e consequentemente clínicas.


É intrigante que justamente a era moderna, que traz consigo a queda do poder de Deus e o surgimento de um novo homem, traga também, a reboque, o seu enlouquecer.


E mais atordoante ainda é pensar que a psicanálise, ao se desviar da ciência, seguindo a direção de uma tópica do ego, também estivesse contribuindo com tal enlouquecimento humano. Não à toa vemos a atualidade povoada de “freudianismos” alucinatórios explicando o sofrimento humano.


Mas afinal o que enlouquece o homem moderno e que tipo de enlouquecimento estamos nos referindo?


Longe de arriscar uma resposta definitiva, faço minha aposta nas pistas encontradas no texto, que Lacan nos apresenta: “a formação singular de um delírio que objetiva o sujeito em uma linguagem sem dialética”, “estereotipias de um discurso em que o sujeito é mais falado do que fala”.


“O homem moderno adquire sua forma no impasse dialético da bela alma que não reconhece a própria razão do seu ser na desordem que ela denuncia no mundo. Lacan está sustentando que o homem moderno é louco, já que a bela alma é louca! Mas ele também nos dá uma saída como resolução do impasse em que delira o discurso desse sujeito (louco): “a comunicação pode se estabelecer na obra comum da ciência e nas utilizações que ela ordena na civilização universal, permitindo-lhe esquecer sua subjetividade”. Seria a ciência a solução para o enlouquecimento metafísico, discurso da subjetividade? Penso que a formalização científica tem função de barramento ao infinito enlouquecido do pensamento. Talvez Badiou nos apresente melhor esta proposta, em seu livro, o ser e o evento, ao nos afirmar logo de início que “o tempo do pensamento está aberto para um regime de apreensão diferente, encerrando a idade metafísica. Essa abertura trata de um retorno com Heidegger, uma e com a matemático-lógica de Frege-Cantor. A saída então é ciêntifica, porém não qualquer ciência.


O homem moderno matou seu deus, mas não morreu com isso a necessidade de manter suas garantias que outrora vinham da palavra divina. Coube então ao novo discurso, fazer suplência a essa garantia. Não à toa tenha se assujeitado as ciências positivistas, que se baseiam na ideia de que o conhecimento científico é o único verdadeiro. Não consigo ver nada mais religioso.


Isso marca possivelmente a grande questão humana, o vazio, o negativo. Não é possível que não tenhamos um guia, um norte, um deus ou uma ciência positivista que preencha tudo e nos dê garantias e certezas! As crenças se alteram mas o homem segue o mesmo, assujeitado por um Outro que lhe traga garantias.


Por analogia, não acho tão difícil pensar esse caminho dentro da psicanálise, ao optar-se pelo ego e não pela linguagem. Tão tentadora a proposta de um ego forte em detrimento de um furo linguageiro não é mesmo! 


Pois bem, voltando a Lacan, podemos então pensar que quando ele nos dá a sentença do enlouquecido, nos dizendo: “aquele que é falado em uma linguagem sem dialética”, temos aí o sujeito religioso da ciência positivista. Algo único e total, que não se propõe a debates e se assujeita a tal. Seria o divã nosso instrumento de exorcismo dessa totalidade discursiva, apontando que o destino de qualquer análise é o encontro com a contradição de sua fala, denunciando ali a divisão subjetiva que ele tanto teme?


Na página 283 do seu texto - Função e campo da fala e da linguagem - quando Lacan nos explica, no uso corrente, a inversão do “isso sou” para o “eu sou”, além de apontar a substituição do “isso” pelo “eu”, ele ainda nos diz: “da época de Villon”. Villon, foi um poeta ladrão e boêmio, considerado o precursor dos poetas malditos. Fui à pesquisa: Os poetas malditos do Romantismo são aqueles que se opunham aos valores da sociedade, tinham um comportamento provocativo e morriam antes de serem reconhecidos. Se opunham, diz o Google.


Gosto de pensar que o tempo todo, Lacan inverte e se opõe a tudo. Inverte para que possamos sair da loucura moderna, de um homem inseguro de suas perdas que tenta reavê-las, à custa de seu próprio saber sobre a verdade, e nos propõe uma outra ciência, a ciência do negativo, a ciência da formalização, da linguística e também a ciência matemática que Badiou nos cita mais acima.


“A psicanálise desempenhou um papel na direção da subjetividade moderna e não pode sustentá-lo sem ordená-lo pelo movimento que na ciência o elucida. É esse o problema dos fundamentos que devem assegurar à nossa disciplina seu lugar nas ciências.”


 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
A origem do ser 

Texto escrito para a Sessão Teórica da Escola de Psicanálise Estrutural - EPE Especulações sobre o ser atravessam o humano desde sua...

 
 
 
O sujeito da ciência lacaniana

Texto escrito para o Grupo de Leitura Intermitente da Escola de Psicanálise Estrutural - EPE Existe em toda cultura um mal estar oriundo...

 
 
 

Comments


bottom of page