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O eixo imaginário - simbólico e a clínina da psicanálise

  • Foto do escritor: Patrícia Mezzomo
    Patrícia Mezzomo
  • 20 de mar.
  • 5 min de leitura

Texto escrito para o cartel de psicose da Escola de Psicanálise Estrutural - EPE


​​Todos nascemos numa linguagem que não foi criada por nós. Usamos a língua para nos comunicar e se quisermos adentrar no mundo compartilhado com nossos pais, cuidadores e família, é com essa língua que faremos laços.

É nas palavras daqueles que nos cercam e que a psicanálise costuma se referir como o discurso do grande Outro, que encontramos a nossa existência. Discurso esse que molda nossos pensamentos, nossas demandas e nossos desejos.

Entendemos assim que a problemática da existência é a de como encontrar um lugar para nós mesmos, nessa linguagem e ao mesmo tempo torná-la nossa o máximo possível.

O neurótico logra, em maior ou menor grau, passar a existir na linguagem.

Durante o processo de amadurecimento, por volta dos 6 aos 18 meses, a criança passa pelo que Jacques Lacan batizou de o Estádio do Espelho, processo psíquico pelo qual, o bebê antecipa o domínio sobre a sua unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da percepção de sua própria imagem num espelho. A imagem que vai sendo capturada passa a ser identificada pela criança, como ela própria. Tal imagem estruturante introduz ordem no caos anterior de percepções e sensações.

A confirmação de existir naquela imagem vai se processando à medida que os pais ou cuidadores passam a dar sinais do reconhecimento dessa imagem, com meneios de cabeça ou até mesmo por expressões como “Sim, neném, este é você!”.

É a pessoa de importância da criança, que ratifica tal existência, confirmando sua imagem formadora do ego. A imagem que os pais têm da criança é a imagem que a própria fará de si mesma.

O discurso desse Outro vai fazendo cada vez mais parte dessa captura que inicialmente é imagética, mas que aos poucos vai sendo chancelada por palavras e frases proferidas pelos pais para expressar sua visão do filho.O imaginário vai sendo reestruturado por uma nova ordem simbólica ou linguística que supera a ordem imaginária anterior e torna possível a existência da criança na linguagem.

“Não existe realidade pré discursiva”.

Encontramos aí uma importante, senão radical, consequência para o futuro falante. A substituição do imaginário pelo simbólico, via “normal” do neurótico, gera uma divisão no ser, que agora passa a existir como um sujeito cindido, clivado, fazendo surgir assim, Je e Moi - em português ego e sujeito. Sujeito do inconsciente, aquele que surge e permanece assujeitado a partir da captura do imaginário e simbólico do grande Outro.

Na psicose essa reescrita não ocorre. Não há um ser cindido na psicose, pois não há sujeito. O imaginário continua a predominar e o simbólico, na medida em que chega a ser assimilado, é “imaginarizado”. É assimilado não como uma ordem radicalmente diferente, que reestrutura a primeira, mas assimilado simplesmente por imitação de outras pessoas A língua é vivida como algo exterior, uma força ou entidade externa que o invade e o possui.

“As palavras me assustam. Eu sempre quis escrever, mas não conseguia pôr palavras nas coisas. … Era como seas palavras escorregassem das coisas. … Por isso, achei que, estudando o dicionário de A a Z e escrevendo aspalavras que não conhecia, eu possuiria todas elas e poderia dizer o que quisesse”

Em 1928, Édouard Pichon publicou um artigo em que tomava emprestado do discurso jurídico o termo foraclusão, referindo-se ao uso de um direito não exercido no momento oportuno.

Em 1954 Lacan se apropria deste mesmo termo jurídico para então poder definir como ocorre essa falha do simbólico, em que se produz a rejeição radical e fundamental de determinado elemento para fora da ordem simbólica do sujeito. Quando esse elemento é foracluído, toda a ordem simbólica é afetada.

De acordo com Lacan, o elemento foracluído na psicose concerne intimamente ao pai.

O pai exerce uma função essencialmente simbólica: ele nomeia, dá seu nome, e, através desse, encarna a lei. Se a sociedade humana é dominada pelo primário da linguagem, isso quer dizer que a função paterna não é outra coisa senão o exercício de uma nomeação que permite à criança adquirir sua identidade.

Isso possibilita pensar o Édipo não mais em referência ao patriarcado e matriarcado, mas em função de um sistema de parentesco.

Em 1956, o conceito é grafado como nome-do-pai ou metáfora paterna e associado ao conceito de foraclusão, fazendo da psicose a foraclusão do nome-do-pai. É o próprio protótipo da psicose. 

A função paterna é considerada tudo ou nada: ou ela foi inscrita no simbólico ou não foi. Por isso a definição jurídica parece pertinente, “uso de um direito não exercido no momento oportuno”.

A psicanálise lacaniana, embora proponha ajudar o psicótico, não tem como modificar sua estrutura: uma vez psicótico, sempre psicótico. E ao analista, cabe a capacidade de diagnosticar as estruturas discursivas de seus pacientes, já que as consequências clínicas observáveis do fracasso da função paterna são muitas e variadas, e mais importante, o tratamento é completamente diferente do tratamento dado a um neurótico ou perverso. 

Relembremos que o paciente neurótico é um ser dividido, e o analista deve situar-se como o Outro que escuta naquilo que ele diz, algo que não fora pretendido, pois quem fala pela boca do falante é o simbólico capturado do grande Outro da linguagem. É dessa maneira que o sentido é problematizado e o analisando começa a se dar conta de que nem sempre sabe o que está dizendo.

No caso do psicótico, esse lugar não existe. Não existe sujeito a ser encontrado, o nome do pai está foracluído.Em vez de um sujeito capaz de responder ao Outro, o que aparece é um buraco ou um vazio gigantesco.

Mas há sim, o imaginário e é com ele que o psicanalista deve trabalhar para tapar o buraco do simbólico. Quando falta na ordem simbólica um elemento crucial (o Nome-do-Pai), ela não pode ser consertada estruturalmente, ao que saibamos; mas pode ser respaldada ou “suplementada” por outra ordem.

Todos os esforços clínicos devem ir na direção do registro do imaginário, para torná-lo tão resistente e sólido quanto possível.

A atividade de criação é o motor principal da clínica da psicose e deve se incentivada para que possa surgir uma nova metáfora, não a paterna, mas o que Lacan chamava de metáfora delirante, uma metáfora que faz às vezes dá metáfora paterna, permitindo que palavras e significados se liguem de maneira relativamente estável e duradoura podendo ser então, um novo ponto de partida com base no qual o psicótico estabelece o significado do mundo e de tudo que existe nele.

Um mundo de significação, uma nova genealogia, que irá permitir ao indivíduo construir e encontrar um lugar para si, num mundo de sua própria criação.

 
 
 

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