O desejo é o destino
- Patrícia Mezzomo
- 20 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de mar.
Texto escrito para o Grupo de Leitura Intermitente da Escola de Psicanálise Estrutural - EPE
“O homem fala, pois o símbolo o fez homem”. Minha mente tenta mas fracassa em não fazer o comparativo do ovo e a galinha. Afinal quem nasceu primeiro, o homem ou o verbo?
Tendo a responder que foi o verbo, mas me pergunto: então quem o disse?
Logo me lembro que a origem está perdida, mas que essa perda segue marcando sua presença. Presença em ausência. A palavra é feita de ausência, pois ela é apenas isso, uma palavra. Ela não é coisa, pois a coisa, ao que me parece, dizem, está perdida. Como nunca a encontrei - a coisa -, mas encontro palavras, sigo em concordância.
Só nos resta a coisa dita, a coisa falada. Só nos resta o conceito que é a própria coisa.
Mas nossa geografia de nascimento nos determina a acreditar, não que a palavra seja palavra, mas sim, que ela diga sobre a “coisa” e que justamente por isso, a coisa existe para além da palavra, que apenas a representa. E assim caminha o humano ocidental acreditando ser o que diz ser, ou o que disseram que ele é. Acreditando inclusive que há algo que não seja simplesmente palavra.
Como não há escapatória, seguimos exilados nessa ordem simbólica da linguagem que ordena os sentidos, organiza as relações, e que é imperativa em suas formas mas inconsciente em sua estrutura. Até podemos lê-las no que Levis-Strauss chamou de estruturas elementares de parentesco e até identificar nossa participação particular em seus efeitos, naquilo que o complexo de Édipo marca subjetivamente. Mas a lógica subjetiva que orienta os efeitos dessa estrutura, nos permanece inconsciente, nos dando a falsa crença na liberdade das escolhas dentro destas complexas alianças sob cuja lei vivemos.
Mas que escolha há, se somos o ditos do Outro?
Aqui cito Lacan
“Os símbolos efetivamente envolvem a vida do homem numa rede tão total que conjugam, antes que ele venha ao mundo, aqueles que irão gerá-lo "em carne e osso"; trazem em seu nascimento, com os dons dos astros, senão com os dons das fadas, o traçado de seu destino; fornecem as palavras que farão dele um fiel ou um renegado, a lei dos atos que o seguirão até ali onde ele ainda não está e para-além de sua própria morte; e, através deles, seu fim encontra sentido no juízo final, onde o verbo absolve seu ser ou o condena - a menos que ele atinja a realização subjetiva do ser-para-a-morte.”
Penso que num único parágrafo, Lacan nos apresenta o destino entranhado na ordem simbólica, encarnada no grande Outro da linguagem, que vem a determinar o que será o humano, ao mesmo tempo que nos apresenta a expressão ”a menos que” marcando a ênfase no que considero crucial para a nossa clínica: uma “realização subjetiva do ser-para-a-morte”. Essa marcação me parece cair como uma alternativa a esse destino linguageiro.
Ora, ser para a morte não seria o despertar para o campo de uma falta fundamental?
Falta essa que está dada na própria linguagem?
Volto ao paradoxo do ovo-galinha para agora pensá-lo sob outra perspectiva, retorcendo talvez um pouco a pergunta.
Se é a linguagem que nos determina seria a própria linguagem que nos libertaria?
Nos libertaria naquilo que há de mais fundamental em si, na falta?
Não sei precisar a exatidão dessa questão, mas quando leio Lacan dizer “Servidão e grandeza em que se aniquilaria o vivente, se o desejo não preservasse seu papel nas interferências e nas pulsações que fazem convergir para ele os ciclos da linguagem….” é no próprio desejo ou seja, na falta em si, que penso encontrar a saída determinada pelo dito do grande outro.
Lacan afirma que esse próprio desejo, para ser satisfeito no homem, exige ser reconhecido, pelo acordo da fala. E é no advento do sujeito, que esse desejo se faz reconhecer.
Concluo então seguindo a linha dos paradoxos com mais uma pergunta: É no dito então que “desdizemos” o que foi dito?
Dito por quem?
Pelo sujeito?
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